Por Marco Passerini*

Enquanto isso, mais e mais refugiados e migrantes desesperados tentarão escapar das perseguições e das guerras para morrerem à míngua nas perigosas travessias ou sobreviver pelo resto da vida com as marcas indeléveis dos horrores de uma tragédia humana que parece não ter fim.
Resta saber: o poder indiscutível dessas imagens terá força suficiente para mudar as atitudes dos líderes europeus com relação aos refugiados.
No Evangelho deste domingo (Mc 9, 30-37) Jesus, nas estradas das Galiléias de ontem e de hoje, nos surpreende com três palavras inusitadas que, como todo o Evangelho, andam na contramão da lógica de todos os tempos: último, servidor, criança. Palavras que andam bem longe daquela imagem de um Deus Todo-Poderoso e Onisciente que todos herdamos, ainda que de maneiras diferentes.
Enquanto o Filho do Homem falava de realidades absolutas, de vida e de morte e não escondia o drama bem próximo de sua morte na cruz, os discípulos mais chegados a ele conversavam entre si, nada preocupados com a profecia do mestre e amigo. Competição e disputa de cargos no primeiro escalão os preocupavam muito mais. Quem entre nós será o maior? Tamanha indiferença, entre nós, seria imperdoável. Jesus, entretanto, não desiste de sua misericordiosa catequese, põe uma criança bem no centro e a abraça dizendo: «Quem receber em meu nome uma destas crianças, estará recebendo a mim. E quem me receber, não estará recebendo a mim, mas aquele que me enviou».
Não se trata somente de um gesto carinhoso e por demais gostoso. Identificando-se com as crianças que naquele tempo eram consideradas criaturas insignificantes e excluídas da vida social e religiosa, Jesus se identifica com todos os pequeninos, desprezados e desesperados da vida, de todos os tempos e de qualquer recanto do mundo.
É a razão pela qual papa Francisco não cansa de repetir que o evangelho todo é a narração da ternura do grande abraço de Deus. Um Deus que coloca no centro do cenário da humanidade não a si mesmo e seus direitos, mas a carne de todos aqueles que não conseguem sobreviver sozinhos. Na centralidade da fé está posto um abraço de ternura e de acolhida.
Enquanto isso, em nome de soberanias nacionais e de seguranças individuais, amontoam-se nas fronteiras geográficas e culturais de nosso hemisfério insuperáveis cercas de arame farpado e desfilam exércitos ostensivamente armados.
“Quem acolhe uma criança, é a mim que estará acolhendo”. Não resta mais dúvida que “acolher” é o único verbo capaz de gerar o mundo do jeito que Deus sonha e que “acolhida” é o nome novo da civilização.
Sem esquecer que, para nós cristãos, acolher ou afugentar os desesperados, tanto nas fronteiras nacionais como na soleira de nossos lares, é o mesmo que acolher ou expulsar o próprio Deus.
*Sacerdote da congregação dos Missionários Combonianos. Nascido na Itália em 16 de maio de 1941. No Brasil desde 1973. Brasileiro naturalizado desde 2000. Cidadão maranhense a partir de 2005. Há 22 anos residente em Fortaleza-Ceará, depois de 15 anos de presença no Maranhão. Meu compromisso missionário é com a causa da Justiça, da Paz e da Integridade da Criação, numa atitude samaritana junto aos encarcerados do Ceará.

Uma resposta
Munto bem vindo e real esse artigo. Bom seria se todas as comunidades de nossa Arquidiocese voltassem suas ações para o essencial que é essa acolhida aos pequenos de nossas comunidades. Por uma Igreja missionária e menos voltada aos grandes shows : Essa é nossa missão.