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Conflitos no campo: violência do agronegócio, conivência do Estado

Thiago Valentim, Coordenador da Comissão Pastoral da Terra Regional

Temos acompanhado perplexos, tristes e indignados, nas últimas semanas, a barbárie causada por fazendeiros e madeireiros, fieis escudeiros do agronegócio: o assassinato de lideranças extrativistas e trabalhadores rurais.

Este triste fato traz à tona novamente o que já sabemos há muito tempo: a impossível conciliação entre o modelo de desenvolvimento capitalista, representado no campo pelo agronegócio, e as práticas milenares dos pequenos camponeses e dos povos tradicionais de viver na terra e produzir, ou seja, a agricultura familiar camponesa. O grande problema é que o agronegócio usa todas as estratégias possíveis para se sobrepor ao modo de vida e produção do campesinato, ou seja, cooptação de lideranças, aprovação de leis que favorecem o desmatamento e protegem os desmatadores, a exemplo das mudanças no código florestal, perseguição a lideranças comunitárias camponesas, tomada das terras de trabalhadores rurais, entre outras.

O que nos entristece e revolta mais ainda é que o agronegócio é um ramo estratégico do governo, mesmo com todos os conflitos que gera no campo. As possibilidades de expansão e os incentivos e isenções fiscais dados pelo governo a empresas nacionais e multinacionais do agronegócio demonstra que nós, os pobres, continuaremos reféns do capital nacional e internacional e dos interesses de quem pensa apenas em produzir em larga escala, para obter lucros exorbitantes, enquanto permaneceremos na miséria e sem garantia dos direitos básicos. Isso questiona a democracia que temos e a soberania que queremos, tornando-as um horizonte cada vez mais distante. Da mesma maneira como o governo federal assume o agronegócio como estratégico, deveria assumir também a investigação de todos estes crimes e a punição dos culpados e não o faz. Porém, esta é uma ação que deve ir para além da federalização dos casos, é preciso verdadeiras políticas públicas que promovam a vida dos povos do campo e das florestas e que coíbam a violência no campo e violação dos direitos humanos.

As notícias dos assassinatos destes companheiros tem estado em todos os meios de comunicação nacionais e alguns regionais, o que muito nos admira, dado a posição conhecida da grande maioria destes meios em defesa do grande capital. Tem nos revoltado as mais diversas atitudes e justificativas de parlamentares e outros que ocupam cargos públicos diante dos últimos assassinatos: desde vaia de membros da bancada ruralista e visitantes pelo anúncio dos assassinatos na câmara dos deputados à justificativa de que falta de efetivo suficiente e infraestrutura para dar segurança a todos os ameaçados, como afirmou o secretário de segurança do Pará, Luís Fernandes Rocha, em entrevista concedida à Terra Magazine n dia 16 de junho. Falta de recurso para tanto não é, o que falta mesmo é vontade política de “cortar o mal pela raiz” e passar a valorizar estrategicamente as comunidades camponesas, ao invés de fazendeiros e madeireiros. E o senhor secretário ainda acusa a CPT de “botar tudo dentro de uma mesmo conta”. Estas justificativas, que não convencem, escutamo-las a cada investida de fazendeiros e madeireiros sobre a vida das lideranças camponesas.

Os assassinos sabem que a prática do governo é agir somente quando a situação se torna insuportável e exige das autoridades públicas alguma reação. Sabem também que toda ação nesse sentido será pontual, emergencial. Este tipo de ação não intimida ou amedronta aqueles que estão acostumados a ameaçar, perseguir e matar para proteger seus interesses, pois sabem que reina no Brasil um sistema de injustiça e impunidade, garantido pelas estruturas públicas de governo.

As diversas manifestações nas últimas semanas, greves de fome, audiências e ocupações, mostram que a situação de conflito está insuportável e exige dos governos políticas públicas que garantam a reprodução do modo de vida camponês e a segurança de suas comunidades.

Os dados anuais do Caderno de Conflitos no Campo Brasil da Comissão Pastoral da Terra evidenciam o aumento significativo dos conflitos no campo causados pela concentração da Terra, pelo modelo de produção do agronegócio e agravados pela omissão do Estado diante dos conflitos. O Estado, porém, não é somente omisso, mas também conivente, já que garante todas as condições necessárias para que este monstro do desenvolvimento capitalista cresça e ataque com suas garras afiadas os povos do campo e da floresta. De 1985 a 2010, 1.580 pessoas foram assassinadas no campo e, atualmente, a lista de ameaçados inclui 1.855 pessoas. De 1985 a 2010 foram assassinadas 1580 em todo o país, sendo 401 só na primeira década deste século. Das 1186 ocorrências, somente 91 foram a julgamento, com a condenação de apenas 21 mandantes e 73 executores. Destes, somente Vitalmiro Bastos de Sousa, o Bida, acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Dorothy Stang, continua preso. Estes dados são uma vergonha para o Brasil e revela a inoperância do Estado frente aos conflitos no campo.

Agradecemos a Deus pela força dada a estes companheiros para que resistissem diante das perseguições e continuassem firmes na luta pela vida e na defesa de seus irmãos e irmãs, do projeto popular que vinham ajudando a construir e da floresta. Porém, apesar do martírio ser um ato de doação, a exemplo de Jesus mártir, não desejamos que o número dos mártires aumente, pois esses assassinatos são conseqüência da injustiça social implantada e praticada por aqueles que se sentem ameaçados diante do anúncio da verdade, que brota da memória subversiva do Evangelho da vida, que desmascara os corruptos e assassinos. Não precisamos de outros mártires. Contudo, para que esse desejo se torne realidade, lutamos por um outro mundo, justo e solidário, que já sabemos que é possível. Empenhamos todas as nossas forças na luta contra este sistema de desenvolvimento capitalista que promove a morte, e não a vida.

por Thiago Valentim, CPT CE

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