No dia de santa Cecília, perguntamos como vai a música litúrgica no Brasil hoje

Coro na missa de posse de dom Gregório Paixão, em Fortaleza | Laércio Peixoto ( Arquidiocese de Fortaleza)

Hoje a Igreja celebra santa Cecília, a nobre romana que converteu seu marido, preservou sua virgindade e, junto com ele, foi martirizada no século II ou III. Forçada a se casar com um pagão, Cecília, no dia de seu casamento, manteve-se à parte cantando, de improviso a Deus. Por isso, ela é a padroeira dos músicos.

Assim como foi para a santa Cecília em seu casamento, a música na missa “deve ajudar os fiéis a elevar a mente e o coração para Deus”, disse o liturgista da arquidiocese de Fortaleza, padre Rafhael Maciel a ACI Digital, citando o papa são Pio X.

São Pio X, em sua luta contra o modernismo na Igreja, escreveu em sua encíclica Tra le sollicitude (Dentre as preocupações), de 1903, querer que “a música sacra seja cultivada com especial cuidado no modo devido nos seminários e faculdades eclesiásticas de Roma”.

Assim, para o padre Maciel, a música litúrgica é “ao mesmo tempo também “ritual”.

“Deve ser executada de tal modo que, quem a executa não tome o lugar da assembleia, não seja uma apresentação artística, mas seja um modo de execução que leve o fiel ‘a se sintonizar’ com o Divino, com Deus, com Nosso Senhor”.

Para o mestre e doutor em música, Delphim Rezende Porto, professor de música sacra e litúrgica e maestro da catedral de São Paulo, “o maior zelo que um artista sacro pode desenvolver em relação à Igreja e ao canto litúrgico é de nunca se contentar com a mera qualidade técnica do que faz”. Para ele, “qualquer música que pretenda acompanhar o rito da missa deve ser uma música ligada estreitamente à cena ritual, de modo que não haja distinção entre a oração e a música”.

“É muito importante a formação técnica, contudo, não se pode haver uma verdadeira música litúrgica sem que o espírito do artista esteja realmente conectado ao que pede a Igreja e o seu magistério desde os tempos apostólicos, que não é apenas produzir melodias afinadas e harmonias corretas, mas sim congregar os irmãos e favorecer a disseminação da Palavra de Deus através da música”, disse o musicista a ACI Digital.

Aspectos da música litúrgica

Padre Rafhael Maciel disse que nem todo canto religioso é litúrgico. “Muitas vezes um canto religioso é catequético, mas não é litúrgico”, como “muitos cantos por exemplo, do padre Zezinho e de outros grandes autores católicos”, destacou o liturgista.

“Os critérios do canto” litúrgico, segundo padre Rafhael “é que, primeiro ele esteja de acordo” com “os livros rituais (missal), inclusive com as letras” e que tenha a “inspiração a partir dos livros litúrgicos aprovados”. “Por exemplo, o hino de louvor segue a letra do hino de louvor e, é claro, nós temos que encontrar também algum ritmo que se encaixe e que não destoe da solenidade ou do ritual”.

O sacerdote ainda explicou que a música litúrgica tradicional “são cantos feitos apropriadamente para a liturgia” e “provém do canto gregoriano e tem nele sua inspiração”, mas também é “aquilo que está no nosso hinário litúrgico”. Ele ressaltou que, a Sacrosanctum Concilium, primeira constituição apostólica aprovada pelo Concílio Vaticano II e que deu origem à reforma da liturgia, “mantém o canto gregoriano como canto litúrgico para missa, mas, dando abertura para as adaptações”. Essas orientações, “nesse exato momento que nós estamos vivendo, tem sido um pouco mais pensadas aqui no Brasil”, segundo Maciel. “Tem muita gente boa trabalhando com a o auxílio de muitos bispos diocesanos para incrementar bem as orientações de Sacrosanctum Concilium”.  

Limites na música litúrgica

Segundo Delphim Porto, “o limite ou a baliza para a música litúrgica deve ser sempre a qualidade artística que é intrínseca à exigência ritual que ela possui”. Ele acha que a música deve “ser suficientemente simples para que todas as pessoas, das mais ilustradas e cultas às mais simples e mais humildes, possam participar igualmente do louvor divino”.

“Hoje, penso que tudo aquilo que leva a música litúrgica a se configurar ao que a indústria cultural coloca como padrão, me parece que esteja inadequado”, diz o músico.

O liturgista da arquidiocese de Fortaleza também acredita “que existe limite sim” e que, na música litúrgica, “não se pode usar tudo e fazer tudo”.

“Por exemplo: um rock, um samba, um forró não são ritmos apropriados para que a gente cante na liturgia”, disse. “Inclusive, a própria letra do canto se perde no meio digamos assim, da batucada dos instrumentos. Então, claro que existem limite sim, naquilo que pode ser aceitável como música litúrgica”.

“É preciso aprender que a liturgia não pode ser uma liturgia personalista, principalmente no canto. Mas que, a liturgia precisa seguir aquilo que a igreja nos orienta”, como “a Sacrosanctum Concilium nos orienta desde a reforma do Concílio Vaticano II”, advertiu o padre.

Cantos tradicionais nas missas

Embora o canto gregoriano e a polifonia sacra tradicional da liturgia católica estejam “um pouco esquecidos, padre Maciel vê melhoras na música litúrgica do Brasil. “Hoje, nós temos escutado muitos bonitos coros diocesanos e até paroquiais que têm retomado o estilo da polifonia sacra”, que “tem dado uma entonação muito mais bonita nas nossas missas”.

Para Delphim Porto, “o canto gregoriano, a polifonia sacra, devem ser avaliados a partir de um contexto mais estrito de uso litúrgico e ritual, e não apenas como um grande adorno museológico ou de arqueologia, mas sim, como o grande repertório sacro que se desenvolveu e legou à Igreja latina um verdadeiro patrimônio que foi resguardado por tantos séculos”.  

Para o musicista, “a música em nossas paróquias precisa ser orientada por um sentido genuinamente pastoral, em vez de buscar títulos que expressem algo extraordinário ou desvinculado desse objetivo”.

Para Porto, “superar o modelo protestante das bandas gospel pode abrir caminho para uma revalorização das formas mais católicas e tradicionais, como o coral”. E ressaltou: “O coral é a expressão mais bela e tradicional do canto cristão”.

Restauração de órgãos

O maestro da catedral de São Paulo contou que o órgão de tubos “está presente na Igreja Latina” desde o papa Vitaliano e “revelou-se um instrumento de inigualável eficiência para preencher as grandes igrejas com som solene e majestoso”.

A imagem mais comum de santa Cecília mostra a virgem mártir tocando órgão, cuja invenção é atribuída a ela por uma pia tradição.

“Proteger e revitalizar esses tesouros é parte essencial do esforço para manter viva a tradição litúrgica e oferecer, com beleza e dignidade, o louvor a Deus nas celebrações”. Ele diz que, “como cristão, músico e pesquisador acadêmico”, tem se dedicado “à valorização do canto da assembleia, sustentado artisticamente pelo órgão e pelo coro” na arquidiocese de São Paulo.

“Este trabalho tem se mostrado bastante promissor, pois já podemos ouvir em diversas assembleias pelo país alguma mudança estética. Inspiradas pelo trabalho realizado aqui na arquidiocese, muitas comunidades locais têm substituído, ainda que com limitações artísticas, os sons de teclados pop, típicos da música da indústria cultural, por sonoridades que buscam imitar o órgão de tubos”.

Rezende relatou que, “desde 2019, no âmbito da arquidiocese de São Paulo, já produzimos mais de duas mil partituras para a assembleia, acompanhada pelo coro e pelo órgão. Esse acervo tem sido fundamental para a formação musical de seminaristas e jovens que aspiram servir à Igreja, resgatando sua tradição musical mais autêntica, enraizada no uso dos textos bíblicos e na prioridade dada à participação ativa do Povo. Este trabalho busca não apenas preservar, mas revitalizar a rica herança musical da Igreja, promovendo o louvor a Deus com beleza, dignidade e envolvimento comunitário”.

Fonte: Monasa Narjara/aci digital.

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