Pecado, só de raspão

Por: Padre Geovane Saraiva*

Dom Paulo Ponte, “servo bom e fiel”, foi um homem certo para uma época e para uma realidade certa. Nascido em 1931, no feliz ano da ordenação sacerdotal de Dom Helder Câmara, na comemoração dos 40 anos da “Rerum Novarum”, com o grande movimento da Ação Católica, “Por um mundo melhor”, no lançamento da Encíclica “Quadragésimo Ano”, do Papa Pio XI.

O amor, a caridade, dom maior e mais elevado foi algo constante na vida de Dom Paulo Ponte (cf. 1Cor 12, 31). Uma vocação à vida de oração, na contemplação do mistério revelado e manifestado ao mundo, foi o objetivo perseguido por esse discípulo do Senhor, apaixonado pelo Reino e pela Igreja e por ele entregou a sua própria vida, no amor pelos sacerdotes e, sobretudo, no seu zelo tão profundo pelo trabalho apostólico, na missão da Igreja, tendo como centro, é evidente, a Eucaristia. Por ela soube ir ao encontro dos pobres, os mais pobres, vendo neles o rosto do próprio Cristo.

Sua rara inteligência, sua oratória e demais dons e talentos nos faz lembrar Dom Helder, nascido na mesma cidade de fortaleza, tendo estudado no mesmo Seminário da Prainha e ordenado também, com 22 anos de idade. Coincidências da vida! Ao mesmo tempo, as “coisas novas” do Papa Leão XIII, o movimento “por um mundo melhor” e as alegrias e as esperanças, as tristezas e angústias, sobretudo, dos que mais sofrem, que Dom Helder encarnou com a coragem profética de pastor, foi a sua grande e maior preocupação.

Deixou-se seduzir por Jesus de Nazaré, ao beber numa fonte de água viva, da melhor qualidade, que é a mística, a espiritualidade Padre Charles de Foucauld, ao dizer: “Tão logo acreditei existir um Deus, compreendi que devia fazer uma única coisa, viver só para ele!”. Paulo Ponte abandonou-se totalmente nas mãos de Deus, buscando a conversão permanente, a busca do último lugar, o Evangelho da cruz e a Eucaristia como o centro da sua vida e da sua ação evangelizadora. Procurou bem alto, a exemplo do Irmão universal Carlos de Foucauld, a proclamar o Evangelho com a própria vida.

Dom Paulo Ponte foi um homem da poesia e um sonhador, através das suas homilias e sermões, a encantar as pessoas, tendo como sua grande aspiração e seu grande ideal, o ideal do poeta por excelência: O nosso Deus e Pai. Lembro-me agora da poesia de Mário Quintana: “Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões, não falaria de pecado – muito menos no Anjo Rebelado. Não citaria Santos e Profetas: Nada das suas celestiais promessas ou das suas terríveis maldições… Se eu fosse um padre, eu citaria os poetas”.

Foi o que fez Dom Paulo, não só sonhar, mas os seus sonhos transformaram-se em realidade. É só olhar para o seu trabalho de jovem bispo em 1971, com 40 anos de idade, em Itapipoca. Quantos sonhos, profetismo, amor, caridade e desafios na sua nova diocese! Em 1984, após a grande seca, diante da dor, angústia e sofrimento de sua querida gente, aceitou a nomeação para São Luís do Maranhão. Também encontrou uma Arquidiocese cheia de exigências e desafios! Deus, porém, foi infinitamente maior, marcando profundamente aquele rebanho, que se tornou seu povo querido, doando-lhe a vida.

No dia 15 de março de 2009, foi o dia feliz de sua “partida”, deixando o convívio dos seus, indo participar da visão beatífica do Pai, como tão bem e com tanta convicção afirmou Monsenhor Manfredo Ramos, seu grande e fiel amigo: “Sou grato a Deus, que, na sua bondade, quis colocar nos caminhos de minha indigência e da mesquinhez de minha fé este seu servo bom e fiel”. E ainda, em tom de brincadeira, Manfredo costumava dizer-lhe que “o pecado original pegara-o só de raspão…”. Por sua vida e seu edificante trabalho, um homem certo na hora certa, Deus seja louvado!

*Sacerdote da Arquidiocese de Fortaleza, escritor, membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal – Pároco de Santo Afonso – [email protected]

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