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Mistagogia: Catequese pascal

A urgência de uma renovada catequese é sempre algo a bater à porta da Igreja, sobretudo nesse tempo de rápidas mudanças, as comunidades cristãs são desafiadas a novos métodos de transmissão da fé, conservando o conteúdo que recebe da tradição apostólica, é convocada a ter métodos que atendam à demanda hodierna. Em nosso tempo, na Igreja do Brasil, iluminada pelo Vaticano II e pelo Documento de Aparecida, tem-se esforçado pela implantação do método catecumenal, como Iniciação à Vida Cristã.

O método catecumental (IVC) está organizado em diversas etapas sequentes, ligadas uma a outra, num contínuo de inserção do catecúmeno na vida cristã, na comunidade, por meio da instrução e dos ritos sacramentais. Como elemento da IVC se dá também a dimensão mistagogica da catequese, ligada com as celebrações litúrgicas. Aqui, nas breves linhas que se seguem nos ocuparemos com essa dimensão mistagógica da catequese.

  1. IVC em sua estrutura

O IVC se organiza em quatro tempos, comumente aceitos no meio catequético, a saber são eles: pré-catecumenato; catecumenato; purificação e mistagogia.

A etapa de pré-catecumenato é a fase da acolhida, como uma abertura da comunidade por meio de festas de inscrições, visitações de divulgação da catequese, atividades lúdicas e partilhas de vida com testemunhos que vão animando as famílias, as pessoas a buscarem a catequese; esta etapa está profundamente ligada à missionariedade da Igreja. A capacidade de se sair às ruas, a médio prazo, normalmente, apresenta uma resposta positiva na etapa pré-catecumenal.

O que se chama catecumenato é a fase da instrução e vivência na comunidade. Após a admissão, ao fim do pré-catecumenato, a pessoa é inserida mais propriamente na comunidade, seja pela participação nas missas, seja pelos encontros catequéticos, seja pela visita e adesão às pastorais. São meios pelos quais a instrução está ligada à vida da comunidade. Deste modo, o ensino da fé não se comporta como uma transmissão dissociada da vida da comunitária, mas está profundamente inserida nela, como uma verdadeira imersão. Essa fase é acompanhada por ritos litúrgicos, que vão introduzindo o catecúmeno na vida da fé.

O terceiro tempo é o que pode chamar de exorcismo ou purificação, preferencialmente pode ocorrer na Quaresma, quando a Igreja vive um profundo tempo penitencial. A este tempo está associado um rito de exorcismo, como renúncia do mal e suas obras; e, ao mesmo tempo, está acompanhado pelos símbolos da fé: Sinal da Cruz, Pai-Nosso, Bíblia e outros, que vão amadurecer a identidade cristã, com o constante convite à oração. A instrução nessa fase se liga às práticas quaresmais: jejum, esmola e oração.

O quarto tempo é o da mistagogia, estaria vinculado ao Tempo Pascal, como tempo de celebração dos sacramentos, como conclusão do catecumenato, para seguir a formação contínua na comunidade, estendendo-se por toda a vida. É uma proposta que faz de toda comunidade uma experiência de mistagogia. Mas o que é mistagogia?

  1. Mistagogia

A palavra mistagogia remete a conduzir para o mistério, iniciar no mistério. É uma palavra de origem grega, que se referia a experiências diversas, inclusive à experiência mística.

A mistagogia possui dois elementos claros que a dispõe como condução. Primeiro essa palavra traz a noção de ser conduzido, isto é, o sujeito, a pessoa não vai por si mesma, ela é, por um mestre, por um guia, levada à experiência do mistério. De sorte que haja um introdutor, uma pessoa já iniciada, que acompanhará o candidato. Esse introdutor, o já iniciado era uma instituição comum nas religiões mistéricas do Primeiro e do Segundo séculos. Eram pessoas que não somente difundiam as práticas religiosas pela palavra, mas também ensinavam o caminho prático de ingresso nesses grupos. Outro elemento de mistagogia no mundo pagão, é que não é uma escolha, adesão da pessoa, pois, o mistério convoca as pessoas, elas são “eleitas” para fazerem parte do grupo, para serem iniciadas, assim, a liberdade do sujeito é deixar-se chamar, responder, e deixar-se conduzir até o mistério, até a experiência mística.

A figura do mistagogo, o introdutor é o responsável pela acolhida no grupo, o que seria sua primeira ação, acolher o que será iniciado. Nas religiões mistéricas havia um conjunto de ritos e ensinamentos ditos secretos, o que exigia do candidato a segurança da pertença, daí que as pessoas em processo de iniciação não tinham acesso a todos os ritos e doutrinas, por isso, o mistagogo deveria processualmente conduzir o candidato, numa pedagogia regida por uma didática em etapas, com a finalidade de paulatinamente acontecer a pertença do indivíduo ao grupo e, ao mesmo tempo, o grupo acolher o indivíduo. O mistagogo é aquele que faz a ponte entre o candidato e o grupo e na direção inversa: o grupo e o indivíduo.

Ainda nos Primeiro e Segundo séculos da era cristã, as primeiras comunidades conviveram paralelamente com essas religiões mistéricas. Tanto nelas quanto no cristianismo nascente estão presentes a ideia de mistério, a ideia de mistagogia. No entanto, para o mundo cristão, os rituais não portavam um segredo sem revelação, pelo contrário, o batismo, rito de iniciação cristão era oferecido aos que buscavam, sempre mediante uma preparação que introduzia os candidatos nos mistérios de Cristo, aqueles mistérios que deveriam ser colocados no cume de uma montanha, onde todos poderiam ver. O mistério de Cristo não era um segredo, mas um dom a ser anunciado como Evangelho, Boa Notícia.

A comunidade de São João, sobretudo dá testemunho de ruptura com o gnosticiosmo, que era a prática mistérica mais próxima do cristianismo e do judaísmo. Mas, ao mesmo tempo, conserva a dimensão de mistério, haja vista o termo utilizado para se referir aos milagres de Jesus nesse evangelho: semeion, que quer dizer: sinal. O evangelho de João assume a mistagogia com sinais que apontam para o mistério de Cristo.

No geral, no ambiente cristão, a mistagogia ingressou como caminho rumo ao mistério pascal de Cristo, sempre mais associada à liturgia, ao rito sacramental. Nos primeiros anos do cristianismo, com a catequese catecumenal, que também era processual, a mistagogia entrava nessa configuração de diversas ações que se encaminhavam para a liturgia. A liturgia, como espaço mistagógico, levou os primeiros cristãos a sondarem as realidades invisíveis, a sondarem o mistério de Deus. Isso aconteceu porque a mistagogia se dá por meio de sinais que remetem ao mistério. Desde cedo os primeiros cristãos valorizaram tal mediação para a liturgia e para a catequese.

  1. Catequese e Mistagogia

Catequese vem da palavra katechein que pode ser traduzida por instruir pela palavra. Essa palavra é assumida pelo cristianismo, mas possuindo um propósito muito maior que o seu significado, tendo, então, diversas tarefas, isto é, a catequese cristã se propõe a uma instrução integral da pessoa, agindo em toda a sua existência: no campo da intelecção, da moral, da oração, da liturgia, da comunidade e do compromisso missionário.

A catequese faz parte da iniciação cristã, e, assim, há outros elementos para essa iniciação. Em nossos dias, com a retomada da catequese catecumenal de iniciação cristã, vê-se a ampliação da necessidade de serviços que não somente transmitam doutrinas, mas conservando a transmissão da doutrina, preocupem-se também com a inserção comunitária. Esse caminho conserva o desafio de conduzir ao mistério pascal de Cristo, o que exigirá, cada vez mais, a dimensão de mistagogia na ação catequética.

É esse desafio de levar ao mistério que faz a catequese se associar com a mistagogia. Isso parece algo óbvio, no entanto, a própria literatura sobre o tema atesta que a mistagogia, na contemporaneidade da Igreja, esteve mais próxima da liturgia, o que de fato o é em virtude da natureza da liturgia, que por meio de sinais visíveis, fala-nos das realidades invisíveis. Mas a catequese, aproximando de sinais litúrgicos, é convidada a assumir essa dimensão mistagógica, de sorte que a catequese se enriqueça de sinais sempre remissíveis ao mistério pascal de Cristo.

Normalmente, nas explicações sobre as etapas da IVC, a mistagogia se refere ao tempo pós-sacramento, como vivência na comunidade. Seria a etapa de viver a eucaristia dominical e o envolvimento na vida da comunidade. Mas há que se ter em conta que toda a catequese, como iniciação à vida cristã precisa já, desde o primeiro momento, colocar o catecúmeno no seio da comunidade, sobretudo na vida litúrgica. Assim, mais que uma etapa da iniciação, a mistagogia precisa ser um elemento constante em todo o processo de iniciação.

Alguém pode já considerar que ao transmitir a doutrina, os ensinamentos da Igreja e a Palavra de Deus já se esteja numa mistagogia, o que de certo modo está correto, contudo, a mistagogia exige ritos, sinais que envolvam os sentidos: tato, paladar, olfato, visão e audição. É uma dimensão que quer abarcar não apenas a intelecção do catecúmeno, mas toda sua estrutura física e psicológica. Daí a importância de momentos que ultrapassem a estrutura bancária de ensino.

Aqui me arrisco a algumas sugestões na direção de uma catequese prenha de mistagogia.

Algo elementar está já presente em muitos materiais didáticos de catequese, que é dispor o ambiente de acordo com o tempo litúrgico, utilizando as cores litúrgicas e símbolos que façam menção a tal. Outro recurso é ampliar a catequese para espaços que ultrapassem a sala, a paróquia onde o encontro é realizado, por meio de visitas a catedrais, museus sacros, igrejas históricas e mosteiro, dando aos catequizandos uma visão maior de Igreja e, por conseguinte apresentando a história da evangelização, como memória da salvação em Cristo.

Além dos espaços eclesiásticos também se pode valorizar os espaços naturais, parques, rios, lagos, praias, para experiências de oração, seja o santo terço, seja um louvor, seja um lual, seja um momento de meditação da Palavra de Deus. O ambiente da natureza insere o catecúmeno no mistério do Deus Criador, o Deus Provedor e contribui para educar em vista da convivência saudável com toda a criação.

Portanto, a catequese vive em nossos dias um positivo recuo às primeiras comunidades cristãs, no entanto, sem perder os desafios que nos são próprios. Por isso, nos desafios atuais, a dimensão da mistagogia pode perpassar toda a iniciação cristão, não se reduzindo a uma etapa, mas como um elemento essencial, para a adesão ao Cristo morto e ressuscitado, ao Cristo nossa Páscoa.

Pe. Abimael F. do Nascimento, msc
Pároco da Paróquia Nossa Senhora do Sagrado Coração-Aerolândia
Mestre em Teologia Sistemática
Mestre em Filosofia
Especialista em Psicopedagogia
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