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A vida pode ser reinventada

Uma das realidades que compõem a vida humana é que ela pode ser reinventada, isto é, o que é pode deixar de ser. Mas o que isto quer dizer? – Implica que entre as crises que sofremos, que enfrentamos, as desilusões, as decepções, o que deve sobreviver é a vida, pois é por ela que choramos e por ela que enxugamos as lágrimas. A vida sempre pode recomeçar, e para nós cristãos, até mesmo após a morte.

As chamadas experiências de desespero muitas vezes se instalam devido a projetos que foram dolorosamente frustrados, como que roubados; o que dá a sensação de não poder ir mais para frente, a vida passa a estar sob a ameaça de perder o seu sentido, o seu significado. No entanto, a vida que apostou nisto, pode também mudar o olhar, ampliá-lo e apostar em outras possibilidades, ir para outras vias que talvez deem imediatamente uma satisfação menor, ou apenas consolem, mas essas outras possibilidades, outras vias demonstrarão que a vida continua, mesmo apesar da frustração, da perda, do sonho desfeito. A vida passaria por uma reorientação, ela seria reinventada.

As mortes repentinas normalmente são um golpe às pessoas que amam e são amadas: é um noivado interrompido; uma paternidade desfeita; a mãe que não poderá mais amamentar seu filho; a faculdade que não será concluída; o aniversário que estava preparado, mas não será celebrado; aquela viagem que estava sendo programada e não mais se dará… são experiências de dura frustração, contudo, a vida dos que amam, apesar de passar por um fosso de solidão e desalento, deve ser mais forte que a dor; surge o desafio de encontrar pontos de apoio que impulsionem a vida para frente, fazendo com que surjam outros projetos. A vida se reinventa porque ela pode ser mais forte que a dor.

A vida é sempre mais importante que a autoimagem ou a imagem pública. As crianças que sofrem bullying e também as que praticam, porque estão em processo educativo e de formação, poderiam ampliar o olhar, serem educadas para realidades complexas da vida, entendendo que limites e virtudes são condições humanas. Condições que nem sempre condizem com a realidade, pois às vezes não passam de construções culturais, comerciais, políticas; de sorte que dependendo do contexto, qualquer um está sujeito a bullying, qualquer criança ou jovem pode ficar fora do padrão de beleza, de estática, de comportamento, dependendo do ambiente em que esteja. E o que fica nisto tudo, a pessoa, a vida que ela tem que é seu dom inalienável, que, apesar de ter peso, a aceitação da turminha não é o mais importante. A vida sempre é o mais importante.

Há casos de suicídio de pessoas públicas que são motivados em virtude da autoimagem, devido a aceitação pública estar sob ameaça. A pergunta é se a autoimagem e a aceitação pública prevalecem sobre a inalienabilidade da vida. Parece-me que a autoimagem possui sim sua importância, afinal, ela guia as pessoas a se apresentarem socialmente e aos poucos, com os anos, vamos trocando elementos entre a autoimagem e a imagem pública, até a autoimagem ser a imagem pública e a imagem pública ser a autoimagem, isso acontece porque entre as duas se constrói a aceitação dos outros; na relação entre o que sou e o que eu mostro para os outros está o meu lugar no mundo, o que é sadio se preservar a intimidade, a peculiaridade e a capacidade de curar-se. Por isso, dependendo do grau de intensidade da dependência da imagem pública, ela será mais valiosa que a própria vida, que a capacidade de se reinventar, de se refazer de decepções, de dores, de escândalos. É uma relação tensa e complexa.

É em virtude da dependência da imagem pública que pessoas se sujeitam a extorsão, a serem afetivamente controladas por outras, a serem ameaçadas, até o grau de tensão ser tal, que cause o suicídio. É uma realidade que coloca a fronteira entre a autoimagem e a imagem pública. Expondo que a autoimagem às vezes é pura ilusão, tal qual a imagem pública. Mas o que isso exige, então? – Exige serenidade para parar, tomar consciência, procurar ajuda, entender que erros podem ser graves, mas aumenta-los é mais grave ainda, daí a relevância de refletir, ceder na imagem pública, para confiar numa reconstrução, numa conciliação mais sincera entre o que se é o que se quer ser. É a possibilidade da maturação, o ouro no crisol. Isso exige perdas, às vezes de “amizades” e de bens, de prestígio, mas não a perda da vida.

Perder a vida, acabar com ela é ceder a uma solução rápida, é sair de cena sem ver que foi repudiado e acolhido, sem saber que pode fazer diferente, reinventar-se, que pode buscar ajuda para lidar com os limites, com as fraquezas. Abrir mão da esperança.

A criação de Deus é tão rica e complexa que ela pode mudar, as lagartas mudam, os girinos mudam, os ovos mudam, enfim, a vida é feita de movimento. No caso do ser humano, esse movimento pode ser feito como conversão, saindo de uma experiência de desamor, para uma experiência de amor; a conversão cristã é reinventar a vida, é usar dos limites para se expor ao amor do Deus eterno, aquele amor revelado em Jesus. A vida pode ser reinventada; e nada melhor se isto for baseado no amor que salva e liberta.

Os sofrimentos, dores, rejeições, incompreensões, erros, pecados, decepções que sofremos e as que causamos, podem ser muito profundas e trazerem consequências terríveis, contudo, a vida pode sempre ser recomeçada. Ela, a vida é o dom inalienável que cada um porta. Que as crises nos convertam e nos ajudem a viver melhor.

Pe. Abimael F. Nascimento, msc
Mestre em Teologia Sistemática
Especialista em Psicopedagogia
Assessor do Eneagrama

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