Brasão da Arquidiocese de Fortaleza
Arquidiocese de
Fortaleza

A mineração de urânio e fosfato no Ceará:O desenvolvimento de mãos dadas com a degradação ambiental

Estamos vivendo uma crise ambiental global, capaz de deixar preocupados até mesmo aqueles que nunca se interessaram em discutir esse problema com seriedade. É claro que esta preocupação não tem o mesmo sentido para todas as pessoas. Porém, existe um considerável número de pessoas preocupadas com a sobrevivência dos seres humanos e com a continuidade da vida no planeta diante das catástrofes ambientais e da ganância dos poderosos que nos negam o acesso aos recursos naturais, bem como com o equilíbrio ambiental. No caso dos ricos, latifundiários, banqueiros, grandes corporações, amplos setores dos governos, a preocupação é que este cenário de crise não inviabilize seus projetos financeiros, especulativos, do lucro desenfreado, chamado de desenvolvimento econômico e propalado como a redenção de nosso país. Parece-me que tornar-se a 5ª maior potência mundial não vai ser muito “lucrativo” para a grande maioria dos brasileiros e para a Mãe Natureza desta Pátria Amada, Brasil.
Os últimos acontecimentos tem sido oportunos para intensificarmos nosso debate sobre os grandes projetos do capitalismo que, ao invés do progresso, tem trazido mortes, doenças e desequilíbrio ambiental. Um destes projetos, assumidos pelo Governo Federal e Governo Estadual do Ceará como estratégico é a mineração. Para nós, cearenses, emblemática é a Mineração de Urânio e Fosfato em Itataia, Município de Santa Quitéria.
A Campanha da Fraternidade 2011, promovida pela CNBB, traz como tema “Fraternidade e a Vida no Planeta” e o lema “A criação geme em dores de parto (Rm 8, 22)”. Esta já é a quarta CF nesta primeira década do século XXI sobre o meio ambiente e a sensação que tenho é que muito pouco avançamos na preservação e revitalização do Planeta. Portanto, as discussões que estão sendo suscitadas pela CF 2011 deve chegar a todos os espaços eclesiais e sociais e abranger todas as questões relacionadas ao meio ambiente, a fim de que possamos construir juntos estratégias e alternativas de convivência com a Mãe Natureza, desde o nível local ao global.
Outros acontecimentos que tem atraído a atenção de todo o mundo e suscitada igual preocupação foram o tsunami e terremoto no Japão, iniciados no dia 11 de março, e as subseqüentes explosões nos reatores da Usina Nuclear Fukushima. A radiação continua aumentando e atingindo regiões cada vez mais distantes na Usina, inclusive a capital Tóquio. Contudo, o Brasil segue firme e decidido em seu programa nuclear, como afirmou o Ministro de Minas e Energia Edison Lobão, em entrevista dada no dia 14 de março e divulgada pelo Diário do Nordeste no dia 15, afirmando que não devemos nos preocupar com as Usinas Angra 1 e 2, que o que aconteceu no Japão foi uma tragédia e que devemos aprender com este acidente. E disse mais ainda: “Acidentes acontecem em todos os setores da vida” (sic!).
Já são quase 4.000 mortos no Japão e 7.000 desaparecidos, além de todas as perdas ambientais e patrimoniais. Estas cifras são o suficiente pra se repensar a matriz enérgica que temos, como está acontecendo com alguns países da Europa, como a Alemanha.
O programa nuclear brasileiro, contudo, pretende construir Angra 3 e outras novas usinas atômicas. E, para atender tal demanda, somente a mineração em Caetité – BA não será suficiente. Itataia, no entanto, torna-se a “galinha dos ovos de ouro” do Governo Federal, onde pretendem minerar o urânio para alimentar os reatores destas usinas e o fosfato para a produção de fertilizantes, para utilização pelas grandes empresas do agronegócio.
Ora, a região onde está situada a mina e prevista a mineração é historicamente esquecida pelos governos. Basta olharmos para o município de Itatira (cujo distrito de Lagoa do Mato dista 16km da mina) para comprovarmos tal descaso. Por causa da mina, no entanto, o Governo do Ceará anuncia o financiamento para infraestrutura, como estradas, adutoras e rede elétrica.
Perguntamos: porque esta infraestrutura não foi feita antes? A prioridade é, de fato, o bem das comunidades do entorno ou criar as condições para a viabilidade da mineração? Há quase 50 anos fala-se da construção de uma barragem em Madalena e a tal Barragem do Umari foi construída somente em 2010. Será que o objetivo desta barragem é mesmo beneficiar o Município de Madalena e o Distrito de Lagoa do Mato – Itatira ou parte dessa água (a maior parte, pois a mineração demanda muita água) irá para a mina? A estrada que liga Madalena a Quixeramobim está sendo asfaltada agora, mas também há anos que estes dois municípios esperavam a aprovação deste projeto. Será que por ela irá trafegar somente os carros dos cidadãos cearenses, os transportes coletivos, ou também os caminhões carregados com o perigosíssimo licor do urânio de Itataia até chegar à transnordestina em Quixeramobim? Estas duas obras são, no mínimo, questionáveis.
A mina de Itataia está situada no pé da Serra do Machado, onde situa-se o Município de Itatira, um complexo de montanhas que abriga uma rica biodiversidade, inclusive nascentes de vários rios, como o Curú, que banha uma bacia hidrográfica do Ceará. A biodiversidade da Serra Machado, no entanto, está ameaçada pela degradação ambiental que há anos vem se alastrando. O que os órgãos ambientais responsáveis tem feito para impedir tal degradação? Quais as ações realizadas por tais órgãos para o reflorestamento da Serra e revitalização dos recursos naturais lá existentes? Os impactos da mineração para a Serra do Machado é suficiente para não aceitarmos a ativação da mina.
Olhando para Caetité, podemos elencar os impactos socioambientais da obra: contaminação direta do solo, das águas; riscos à saúde humana, pois a radiação causa câncer; contaminação das águas das cisternas, pois o vento leva a poeira uranífera para o telhado das casas, fazendo com que a água já seja captada contaminada; desestruturação dos costumes culturais e familiares com o remanejamento de comunidades; rachaduras nas casas quando as rochas são dinamitadas; dificuldade na comercialização dos produtos da agricultura familiar das comunidades do entorno da mina, entre tantos outros malefícios.
Como afirmei no início deste artigo, é preciso repensar o modelo energético brasileiro e investir em alternativas de produção de energias limpas. O sol e os ventos são abundantes em nossa região. Se a mineração é progresso, progresso pra quem? Quem irá lucrar com a obra? Não é qualquer tipo de progresso, de emprego, que querem nossos povos. Queremos um progresso que venha através do investimento em agricultura familiar, em educação contextualizada, em saúde do trabalhador, em soberania alimentar, em democratização do acesso à água, à Terra e aos direitos básicos.
Apesar dos acidentes nucleares em Chernobyl, na Ucrânia (abril de 1986), Three Mile Island, nos Estados Unidos (março de 1979) e Fukushima, no Japão (março de 2011), nosso governo ainda insiste em investir em energia nuclear. Torço para que um acidente nuclear nunca nos atinja e que não se repita em mais nenhum lugar do mundo, pois, além de todos os desastres que poderia provocar, se eu não morresse pela ação da radioatividade, ficaria muito mal em ouvir que “acidentes existem em todos os setores da vida”.

______________
* Thiago Valentim é de Madalena – CE, formado em Filosofia e Teologia, Educador Popular e atualmente membro da coordenação colegiada da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Ceará. Contato: [email protected]

2 respostas

  1. Prezado. Seu texto faz pensar que as vitimas no Japão são conseqüência do acidente nuclear. Isso não contribui para uma visão esclarecida da questão. Por outro lado as questões técnicas da mineração não tem relação com a questão política da opção nuclear. Discutir no nível técnico e científico exige formação específica. Já a opção política pode usar os resultados científicos e técnicos, mas não como fundamento, pois a controvérsia é grande. Por outro lado, se o objetivo é questionar o modelo econômico e democrático, isso independe da questão nuclear, embora perpasse por ela como um dos muito componentes da questão.
    Parece que há um crescente fundamentalismo no pensamento ambiental.
    Saudações.

  2. Caro Tarcísio Cunha, obrigado por ter lido o artigo e tecido suas posições quanto ao assunto. Gostaria, portanto, de fazer algumas considerações.
    Todos ficamos tristes com o que aconteceu no Japão. Porém, as vítimas de lá não são vítimas somente do terremoto e tsunami, são vítimas também do acidente nuclear. Não podemos separar as catástrofes. Além de tantos outros impactos, são vítimas da migração forçada, pois precisaram deixar a região às pressas. Alimentos já estão contaminados. A radiação não se vê e não se cheira, mas vai afetando a saúde humana e a vida no Planeta aos poucos. Portanto, ao passar dos anos, as conseqüências desta radiação poderão aparecer. Todo o ciclo do urânio, desde sua exploração à geração de energia nuclear, é perigoso. Se não houvesse perigo, os governos não teriam se esforçado para retirar da região de Fukushima seus compatriotas.
    A ciência tem sua grande importância na sociedade, não questiono isso. Mas a ciência precisa estar a serviço da vida, não somente da vida humana, mas de toda a biodiversidade. Porém, o que temos visto é que empreendimentos, até mesmo bem fundamentados em estudos científicos, não têm trazido grandes benefícios para nossos povos, mas impactos negativos sobre a saúde humana e o equilíbrio ambiental. Para perceber isso não precisa de formação específica nos níveis técnico e científico, basta olharmos para a realidade na ótica dos impactados. Talvez as questões técnicas da mineração de urânio não estejam ligadas à opção política por energia nuclear (o que eu não acredito!), mas, se assim for, é uma opção carregada de irresponsabilidade, pois sabemos dos impactos de uma atividade minerária como essa para as comunidades do entorno da mina. Sabendo disso, porque os governos investem tanto nesta atividade? Com certeza, porque gera lucro para algumas pessoas. Essas pessoas, porém, não são os impactados. Agora, concordo com você, não podemos reduzir a discussão sobre o modelo econômico à energia nuclear, pois este modelo tem diversas facetas. Mas o nuclearismo é uma das facetas visíveis e preocupantes. Não desejei que esta discussão fosse intensificada por um acidente nuclear, mas espero que este triste acontecimento faça o governo brasileiro repensar seu programa nuclear e investir em produção de energia limpa, de fontes renováveis.
    Grande abraço. Thiago Valentim/CPT CE

Faça a sua pesquisa

Os cookies nos ajudam a entregar nossos serviços. Ao usar nossos serviços, você aceita nosso uso de cookies. Descubra mais